Maria Cândida Proença

Licenciada em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Tem-se dedicado ao estudo e investigação de temas de História Política e da Cultura e das Mentalidades dos Séculos XIX e XX, História da Educação na Época Contemporânea, História Local e Ensino da História nas suas perspetivas histórica e didática. Tem escrito livros sobre História Cultural e Política, História Local, História da Educação e Didáctica da História. Tem participado em numerosos congressos e colóquios no país e no estrangeiro e colaborado com artigos em jornais e revistas.


1. Quais são as suas recordações mais marcantes sobre o regime do Estado Novo?
R: As minhas memórias em relação ao Estado Novo prendem-se mais com os problemas relacionados com a guerra colonial. Tinha familiares e amigos que foram chamados para o ultramar, já depois de cumprido o serviço militar, e receava que acontecesse o mesmo ao meu marido. No aspeto global sentia o atraso do país em relação ao estrangeiro, a pobreza de muitas pessoas, os bairros de barracas, tudo isso me incomodava; acima de tudo a falta de liberdade também me asfixiava. Não se podia falar. Não podiam formar-se grupos na rua... em suma um país triste.


2. Onde se encontrava no dia 25 de Abril de 1974?

R: No dia 25 de abril de 1974 levantei-me cedo porque tinha aulas às oito horas. As minhas filhas eram pequenas e saí de casa sem sequer ligar a rádio para não as acordar. Estranhei ver pouco movimento na rua. Cheguei à escola, dava o toque de entrada e fui direta à aula. Não tinha alunos. Estranhei, esperei uns minutos e dirigi-me à sala de professores. Encontrei um colega que me disse: Maria Cândida que fazes aqui? Está a decorrer um golpe militar! Interrogámo-nos pois não sabíamos se era de direita ou de esquerda. Fui para casa


3. Quais são as suas memórias sobre este dia?

R: Passámos todo o dia a ouvir os comunicados do MFA que nos iam animando. Sempre receosos de que o movimento não triunfasse, fomos aguardando. À tarde quando o Marcelo Caetano saiu do Carmo, começou a nossa alegria.

4. Que impacto teve esta revolução na sua vida?

R: O 25 de abril teve um enorme impacto na minha vida, pois o período que se viveu a seguir foi riquíssimo. Fui um dos fundadores da nossa secção do PS. Havia necessidade de esclarecer as pessoas. Fiz inúmeras sessões de esclarecimento, participei em comícios, em manifestações, organizei a nossa comissão de moradores, fiz parte de órgãos autárquicos. Noites inteiras nas assembleias sindicais para formar os sindicatos e discutir estatutos. Estava tudo por fazer... Na escola introduzir e construir a gestão democrática, presidir a inúmeros plenários de escola. Receber e arranjar horários para os muitos alunos que vieram das ex-colónias. O país estava em alvoroço, mas sentíamos que estávamos a construir algo de novo.


5. Peço-lhe uma reflexão sobre o modo como evoluiu a memória deste período de transição política (ditadura para a democracia) nos últimos anos.

R: Sobre a memória do 25 de abril, acho que muito se está a perder. As pessoas em grande parte esqueceram o que era o país antes e depois da revolução. Lembro-me que quando foi fixado, pela primeira vez, o ordenado mínimo abrangeu mais de metade dos trabalhadores e eram uns míseros 3500$00. Penso que a grande maioria das pessoas não pensa nas mudanças que a revolução trouxe ao país. Veem a situação atual como um dado adquirido e não pensam ou nem sabem o que custou a construir. Por outro lado, também passa a imagem de que o PREC foi apenas uma confusão e que o país andava à deriva. Acho que era importante fazer programas e projetos para recuperar o verdadeiro significado do 25 de abril.

6. Que avaliação faz da democracia na atualidade?
R: Atualmente a democracia está estabilizada, mas padece dos males do tempo que vemos um pouco por todo o mundo. Uma certa fraqueza e falta de qualidade dos líderes. O perigo da extrema direita que espreita e se começa a instalar e que vem criando um clima de xenofobia e mesmo racismo face ao problema dos migrantes, que é de facto um problema, mas que não se resolve com expulsões, muros ou campos de refugiados... Por outro lado, vê-se que a luta contra a corrupção não tem evitado o seu alastramento. Vê-se também que o campo financeiro se sobrepõe a todos os outros. Por outro lado, o Médio Oriente e a África continuam a ser problemas complicados que em qualquer altura podem eclodir. As reações internacionais estão bastante incertas. Há uma série de problemas do nosso tempo que ainda não estão resolvidos. Por exemplo: as redes sociais que em si podem ter inúmeras virtualidades podem também ser um perigo para a democracia. Como conjugar a liberdade com os perigos da internet? Em Portugal, felizmente a extrema direita tem apenas um peso residual, mas não devemos tomar os resultados eleitorais como certezas adquiridas, pois os sucessivos escândalos de corrupção podem corroer a democracia. No caso português penso que os escândalos bancários e os casos de corrupção têm sido os principais inimigos da democracia.

Entrevista realizada por: Ana Matilde Reis
Coordenação/Tutoria: Professora Ana Sofia Pinto