Filomena Costa Geraldes

Filomena Geraldes nasceu no dia 28 de junho de 1955. Tem 64 anos de idade. Foi professora de História. Encontra-se neste momento aposentada. Coordena o Núcleo de Teatro da Escola EB.2,3 Cardoso Lopes (Amadora).


1. Quais são as suas recordações mais marcantes sobre o regime do Estado Novo?
R: Entre um ano de idade e os meus onze anos vivi em Moçambique. Na minha adolescência andei num liceu feminino, austero e pouco dado à liberdade de pensamento e expressão. Em casa, pouco se dizia do regime vigente. Ouvia falar em falta de liberdade, eleições, guerra colonial, partido único e no governo de Salazar.
A minha avó paterna era a única pessoa que me falava dos ideais de democracia. Tínhamos longos diálogos e muito aprendi com ela. Era um espírito iluminado que defendia, de alma e coração, a igualdade, a justiça, os direitos humanos e o fim daquela paz morta, daquele engano, daquele logro...

2. Onde se encontrava no dia 25 de Abril de 1974? Quais são as suas recordações sobre este dia?
R: Na madrugada do 25 de Abril estava em casa, preparava-me para ir para o liceu. Ouvimos as notícias! Que alegria. Até que enfim! Os militares tinham levado a cabo uma revolução pacífica. A democracia estava instaurada. Não saímos de casa. Assistimos perplexos, às notícias, às reportagens, às entrevistas, à euforia de um povo há demasiado tempo "aprisionado e amordaçado". Um povo finalmente, livre!

3. Que impacto teve este dia na sua vida?
R: A Revolução dos Cravos, nesse dia, foi tão somente uma celebração. Uma constatação há muito ansiada. Os novos ventos traziam lufadas de inspiração. Um sonho tornado realidade. O fim de uma guerra injusta, uma censura deplorável, uma constituição "fantoche", ignóbeis prisões políticas, um governo manipulado, ideologias conservadoras, um país isolado, sem desenvolvimento económico e parado no tempo.

4. Como avalia o período que se seguiu à Revolução dos Cravos (como descreve a transição política da ditadura para a democracia, quais são as suas memórias sobre este período, foi um período que a marcou)?
R: Quanta modificação! A liberdade cheirava a "pintura de fresco"... Passara-se de um extremo para outro. Totalmente antagónicos. E, por vezes, esses antagonismos levam a extremos. Aprender a democracia era urgente. Necessário. Essencial. Mas todas as aprendizagens levam o seu tempo. Compararia o nascimento da democracia, pós 25 de Abril, a uma criança que é desejada. Muito desejada. E essa criança deve ser amada mas ao mesmo tempo, educada. Instruída. Levada no bom caminho por um coração carinhoso e palavras sábias. Formada no sentido do que é verdade, valor e respeito. Divagações...
O período que se seguiu ao da festa da democracia foi conturbado. Por vezes, até abalado. Foi uma época em que tudo aconteceu. O povo desceu às ruas. Manifestou-se. O Dia do Trabalhador propagou vozes com palavras de ordem. Bandeiras agitavam-se no ar. Sentia-se júbilo. Renascera a esperança.
O português comum podia enfim lutar pelos seus direitos. Surgiu o direito à greve. A importância dos sindicatos e o seu papel na sociedade. As próprias mentalidades evoluíram. A cultura expandiu-se. As mulheres emanciparam-se. Abriram novos caminhos. Saíram dos seus lares, tornaram-se mais autónomas, ganharam asas!
Na educação implementaram-se reformas e na saúde um Sistema Nacional de Saúde.
Os jovens tiveram acesso a expor as suas ideias. Os artistas criaram livremente e a música entrou de rompante em concertos até aí nunca vistos. Era possível escolher os governantes em eleições livres. A cidadania caminhava a passos largos. Tudo era espanto e deslumbramento.
Mas o tempo passou e a democracia foi crescendo. Experienciado. Fazendo aprendizagens. Lições. Mas saindo sempre vencedora porque ao fim de 45 anos ela vingou!


5. Que avaliação faz da democracia na atualidade?
R: Ninguém duvida que vivamos num país democrático. Ainda com muitas fragilidades, desigualdades sociais e de género. Ainda com necessidades de muitas reformas e desenvolvimento no campo da economia, saúde, justiça, educação e não só. Continua a ser notícia e a preocupar os cidadãos, em geral. No entanto, continuamos a ter direitos e a usufruir deles. Sabendo que deveres também são a pedra basilar de uma democracia consistente e válida. Assim sendo, confiemos. Façamos valer a nossa crença numa sociedade mais democrática e igualitária!



Entrevista realizada por: Ana Matilde Reis
Coordenação/Tutoria:
Professora Ana Sofia Pinto