Manuel Loff

Manuel Loff nasceu no ano de 1965. É licenciado em História, pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1988); Mestre em História dos séculos XIX e XX, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (1994) e doutorado em História e Civilização, pelo Instituto Universitário Europeu de Florença (2004).
Atualmente, é professor associado no Departamento de História e Estudos Políticos e Internacionais da FL/UP e investigador integrado do Instituto de História Contemporânea (IHC-FCSH/UNL).


1. Quais são as suas recordações mais marcantes sobre o regime do Estado Novo?
R: Eu tinha nove anos então a consciência que eu pudesse ter naquele momento, enquanto o regime durava, das suas características, são muito poucas. Contudo lembro-me da minha família fazer referências à polícia política (PIDE), sabia o medo que ela impunha na sociedade portuguesa. Por outro lado, lembro-me muito bem da guerra colonial e do seu receio, recordo-me plenamente de ouvir falar na possibilidade do meu irmão, de 15 anos, ter de fugir para França onde os meus pais tinham amigos e da possibilidade de fazer o que muitos portugueses fizeram, fugir ao serviço militar. Estas são as minhas duas grandes memórias.

2. Tinha 9 anos quando ocorreu a Revolução dos Cravos. Onde é que se encontrava neste dia? Quais são as suas memórias sobre esta revolução?
R: Recordo-me que estava em casa e fomos advertidos para não ir para a escola (escola primária). A minha escola era uma típica escola de ditadura, a feminina ficava junto da masculina, e lembro-me que alguns colegas meus nesse dia foram à escola. Da minha família eramos três irmãos todos em idade escolar, sendo eu o mais novo e recordo-me muito bem de termos ficado em casa. Além do mais, lembro-me do mesmo cenário acontecer no golpe militar falhado, do 16 de março de 1974. Nesse dia 16 não me recordo, mas na manhã do 25 de abril estava a ouvir a rádio com os meus irmãos e com os meus pais, suponho que o meu pai não estaria em casa, mas a minha mãe estava. O meu irmão mais velho, de 15 anos, saiu durante a tarde para a baixa do Porto para poder acompanhar as notícias. Muita gente se concentrou na baixa do Porto, na Praça da Liberdade, durante a tarde do dia 25 de abril, e lembro-me ainda da notícia da vitória do MFA e da polícia que carregou sobre os manifestantes.

3. Que impacto teve esta revolução na sua vida pessoal e familiar?
R: Eu sou de uma família de filhos de funcionários públicos, do que podia chamar de classe média, o meu pai era médico veterinário mas trabalhava no Ministério da Agricultura e a minha mãe era professora do Ensino Secundário. Do ponto de vista familiar, diretamente, na minha família mais próxima (pais e irmãos) é verdade que nunca ninguém sofreu prisões políticas e não tenho situações que aconteceram diretamente. Um dos irmãos do meu pai sofreu uma tentativa de prisão pela PIDE pois era um militante do Partido Comunista e essa tentativa aconteceu provavelmente, em 1960, em Lisboa.
Na família deu claramente a abertura de novas oportunidades profissionais para o meu pai e para a minha mãe.
Do ponto de vista pessoal, o impacto foi passar a estudar livremente. Posteriormente, aos 18 anos não fui obrigado a cumprir um serviço militar, em África, numa das três colónias em guerra. Para além da liberdade que me foi dada o verdadeiro impacto foi quando percebi que não teria de cumprir serviço militar e não ter de fugir do meu país.
4.Como avalia o período que se seguiu à Revolução dos Cravos?
R: Os dois anos que se seguem à Revolução dos Cravos são centrados na aprovação da Constituição. É um período extraordinariamente rico, na vida coletiva e individual, dos portugueses. A democracia em Portugal viveu-se, automaticamente, no próprio dia 25 de abril. A democracia sentiu-se imediatamente. No período que se seguiu algumas pessoas temiam uma guerra civil, mas não se podia ter medo.
Existiu plena liberdade no voto na vida dos portugueses.

5.Peço-lhe uma reflexão sobre o modo como evoluiu a memória deste período de transição política nos últimos anos.
R: Ultimamente tenho feito estudos para perceber como os portugueses se lembram do passado. Tomando em consideração que enquanto faço essas perguntas também as estou a fazer a portugueses que não viveram esse passado. Mesmo eu que tenho 54 anos, tenho uma memória pessoal muito limitada do que foi vivido. Os jovens podem não ter vivido o 25 de abril, mas certamente que têm uma imagem do que aconteceu na Revolução. Cada pessoa ao ouvir simplesmente familiares a falar, ao ouvir os meios de comunicação e através do que nos é ensinado na escola constrói uma memória.
Este período de evolução está marcado pela visão claramente positiva da chegada da liberdade, o fim da guerra colonial e o regresso dos soldados, a libertação dos presos políticos, a abolição da censura e, evidentemente, o regresso dos portugueses que fugiram à guerra.
Sobre estes aspetos, os portugueses têm de forma, muito maioritária, desde sempre, uma opinião muito positiva.
A visão que os portugueses podem ter do passado tem muito a ver com o momento em que cada um viveu esse passado.

6.Que avaliação faz da democracia na atualidade?
R: A minha visão da democracia na atualidade depende muito do momento em que nós a vivemos.
Nos últimos 20 anos a evolução da democracia foi muito diferente do que aconteceu nos primeiros anos da democracia portuguesa, entre 1974 e 1987.
Uma das características dos últimos 20 anos é que tivemos um período sistemático quase permanente ou de estagnação económica ou de recessão económica. Particularmente marcado, nos anos de 2002 a 2005, e de novo, nos anos de 2010 a 2015. Nesse período, a forma como a democracia evoluiu foi claramente negativa e, portanto, existem fenómenos de desapego democrático por parte dos portugueses. Existiu uma quebra muito forte na participação eleitoral, existiram muitas pessoas a não acreditar na bondade da democracia e na forma como o sistema democrático funciona, o que faz com que haja eleições nas quais a maioria dos eleitores inscritos não participa nos atos eleitorais.
Por outro lado, acho que existiu nos últimos anos uma situação económica e política em que o sistema democrático estava claramente "sequestrado", por outras palavras a decisão da nossa política económica sobre o que fazer com os impostos e sobre que políticas públicas. As generalidades dessas associações passaram a ser controladas pelo Banco Central Europeu e isso não cumpre em geral as regras de um Estado democrático.
Creio que nos dias de hoje estamos numa situação certamente melhor à escala internacional e europeia.

Entrevista realizada por: Ana Matilde Reis
Coordenação/Tutoria: Professora Ana Sofia Pinto