José Pinheiro Pinto

José Pinheiro Pinto tem 63 anos. Nasceu no Ribeiral, em Barrô, tendo mais tarde passado a residir na Penajóia. Trabalhou na construção civil e numa serração localizada nas proximidades do Quartel da Pontinha. Encontra-se aposentado.


1. Quais são as suas recordações mais marcantes do regime do Estado Novo?
R:
Neste tempo havia muita miséria. Os meus pais tiveram seis filhos mas em minha casa nunca faltou a comida.
Recordo-me de ter de caminhar muito para chegar até à minha escola primária. Por vezes, faltava à escola pois ficava cansado de tanto andar e preferia ficar a brincar no caminho. Sempre que ia à escola era obrigado a ir buscar à casa do pai da minha professora o almoço para ela. Demorava meia hora a ir e meia hora a regressar. No saquinho do almoço encontrava-se sempre uma garrafa com vinho. A minha professora dizia-me a mim e aos meus colegas que era uma garrafa com sumo. Uma vez, sem ela ver, provei o líquido da garrafa e comprovei que se tratava de vinho branco. Recordo-me de não haver água, nem eletricidade na minha escola e na minha casa. Não havia casa de banho. Utilizávamos o mato. Tenho também memórias, que em períodos de frio, pedíamos aos vizinhos braseiras para a professora se aquecer. Também me lembro dos legionários que pertenciam à Legião Portuguesa e de não se poder usar isqueiros sem licença. Ouvia falar dos informadores da PIDE. Não se podia falar mal do Salazar. Ouvi falar várias vezes de um padre que estava ligado à PIDE. Quando se falava de pessoas ligadas à PIDE tínhamos medo.

2. Onde é que se encontrava no dia 25 de Abril de 1974? Quais são as suas memórias sobre esta revolução?
R:
Não soube que estava a ocorrer uma revolução no país, no dia 25 de Abril de 1974, pois não tínhamos televisão, nem rádio. Soube nos dias seguintes. Encontrava-me a trabalhar no campo.

3. Que impacto teve esta revolução na sua vida pessoal e/ou familiar?
R:
Esta revolução ajudou-me a entender melhor a política, a liberdade, a democracia. Devido a esta revolução percebi que os trabalhadores não deviam ter apenas obrigações mas também direitos. Esta revolução não trouxe alterações à minha vida pessoal ou familiar. Esta revolução trouxe-me apenas mais conhecimento.

4. Como avalia o período que se seguiu à Revolução dos Cravos (como descreve a transição política da ditadura para a democracia, quais são as suas memórias sobre este período, foi um período que o marcou a nível pessoal e/ou familiar - justifique)?
R:
Após o 25 de Abril vim para Lisboa trabalhar na construção civil. Cheguei a assistir a uns comícios sobre o 25 de Abril, em Lisboa, julgo que para os lados de Entrecampos. Recordo-me de se falar, neste período, de vários governos, de ocupações, da reforma agrária, da expulsão de professores... Foi o período da passagem da opressão para a liberdade.

5. Peço-lhe uma reflexão sobre o modo como evoluiu a memória deste período de transição política (ditadura para a democracia) nos últimos anos.
R:
O 25 de Abril e o PREC estão na memória das pessoas que viveram neste tempo. A memória continua. Deveria falar-se mais da revolução e do processo revolucionário na televisão, jornais e nas escolas.

6. Que avaliação faz da democracia na atualidade?
R:
Portugal está melhor. Temos liberdade para falar, escrever, fazer greves. Agora já não há apenas obrigações, há também direitos. O país mudou muito no campo da economia, política, saúde e educação. Deveria haver menos corrupção. 


Entrevista realizada por Ana Matilde Reis
Coordenação/Tutoria: Professora Ana Sofia Pinto