Conclusão



As pesquisas que efetuei em obras, consultadas em bibliotecas, os testemunhos a que tive acesso, que constam do Arquivo da PIDE, os jornais analisados, na Hemeroteca de Lisboa, e as entrevistas por mim realizadas, permitiram-me ampliar e consolidar os meus conhecimentos sobre o período do Estado Novo, a Revolução dos Cravos e o processo de transição política da ditadura para a democracia.

Uma vez que o trabalho que apresento a concurso é um website considerei pertinente elaborar, com base nas pesquisas que realizei, alguns textos sobre o Estado Novo, a Revolução dos Cravos e o processo de transição política que se seguiu a este golpe militar, de forma a contextualizar estes períodos da História de Portugal.

A investigação que levei a cabo, sob a orientação da minha professora de História, Ana Sofia Pinto, possibilitou-me ainda a aquisição de conhecimentos sobre a região onde vivo, a Amadora, no período anterior e posterior à Revolução dos Cravos. Procurei, com base na investigação que realizei, explicar como se viveu o período de transição política nesta região.

Realizei vinte e três entrevistas que enriqueceram a minha investigação e os meus conhecimentos sobre o processo de transição política que se seguiu ao golpe militar de 1974. Quatro das entrevistas realizadas foram gravadas em vídeo e as restantes dezanove entrevistas encontram-se, neste website, por escrito. Todos os meus entrevistados têm memórias sobre o regime político do Estado Novo, a Revolução dos Cravos e o período de transição que se lhe seguiu, com exceção da Historiadora Maria Inácia Rezola. Decidi entrevistar, esta Historiadora pois foi minha intenção ter, também, neste trabalho, a visão de alguém que estudou estes períodos da História, do meu país, tendo elaborado obras acerca dos mesmos. Estas entrevistas permitiram-me perceber de que forma este processo de transição afetou os meus entrevistados e como tem evoluído a memória acerca deste período nos últimos anos.

Para participar no Concurso Eustory elaborei um documentário, que se encontra neste website. Constam deste documentário quatro entrevistas: a primeira realizada ao meu avô materno que combateu na guerra colonial, no teatro de operações de Moçambique; a segunda, ao Major João Menino Vargas, que libertou os presos políticos, no dia 26 de Abril de 1974, que se encontravam na prisão de Caxias; a terceira ao Capitão de Abril Vasco Lourenço e a última ao Historiador Fernando Rosas que esteve preso por duas vezes durante a ditadura do Estado Novo e uma vez, após o 25 de Abril, no ano de 1975. Selecionei para o meu documentário apenas as partes das entrevistas que me pareceram mais pertinentes relativamente à temática do Concurso Eustory. Cumpre-me informar que no meu website é possível visualizar estas entrevistas na sua íntegra.

Ao analisar as respostas dadas pelos meus entrevistados à primeira questão que era sobre as suas memórias relativamente ao Estado Novo conclui que houve referências à pobreza, aos bairros de barracas, ao atraso do país, em relação ao estrangeiro, às desigualdades sociais, à falta de liberdade asfixiante, à repressão, ao analfabetismo, ao medo institucionalizado, às suas vivências familiares, à repressão exercida sobre a população que discordava do regime, à guerra colonial, ao ensino...

Todos os meus entrevistados recordam-se do local onde se encontravam quando ocorreu a Revolução dos Cravos. Esta revolução é descrita por eles como um acontecimento muito desejado e, por este motivo, segundo os mesmos, o dia 25 de Abril, foi de grande entusiasmo e alegria. Foi um dia de celebração!

No que concerne ao período de transição política existem, nas respostas dadas pelos meus entrevistados, referências, por exemplo, aos governos provisórios, à reforma agrária, à ocupação de campos e de fábricas, aos saneamentos, às grandes campanhas de dinamização cultural e ação cívica promovidas pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), às dificuldades dos professores de se imporem perante os alunos... De facto, o golpe militar do dia 25 de Abril de 1974, com o apoio da maioria da população portuguesa, abriu as portas a um processo revolucionário, a meu ver, original. A passagem simbólica do poder, "para que não caísse na rua", das mãos de Marcelo Caetano para as mãos do General António de Spínola, não evitou que fosse exatamente na rua, e nos locais de trabalho e de estudo, que se decidissem as grandes questões político-sociais. Nos dias que se seguiram à Revolução dos Cravos, a população sedenta dos direitos que lhe foram negados durante a ditadura começou a realizar greves com vista à obtenção de melhores salários e à melhoria da sua condição de vida e de trabalho. Os portugueses exigiam "paz, pão, habitação, saúde e educação" e não queriam "nem mais um soldado para as colónias." O período que se seguiu à revolução militar de 1974 foi, na minha perpetiva, de ousadia, de desafio, de uma coragem desmedida, dado que vários trabalhadores ocuparam as empresas em que trabalhavam, cujos proprietários haviam abandonado o país; os que não tinham teto procederam à ocupação de casas vazias e os latifúndios foram ocupados pelos que trabalhavam as terras.

As respostas dadas pelos meus entrevistados permitem-me afirmar que o processo de transição para a democracia foi um período extraordinário no que concerne às vivências sociais, políticas e culturais. Foi um período de fortes convicções, de união... Houve neste período de transição política, parafraseando a Historiadora Irene Flunser Pimentel a vontade "de erguer um novo Portugal, com os exageros e as radicalizações próprias de uma época revolucionária em que o velho caía e o novo estava a ser construído, com várias alternativas políticas."

O processo de transição do regime autoritário do Estado Novo para a democracia afetou alguns dos meus entrevistados, dou os seguintes exemplos:

- o professor de Geografia, Orlando Fonseca: por residir em Moçambique, o meu professor e a sua família assistiram a uma mudança drástica da sua vida devido ao processo de descolonização que se seguiu à Revolução dos Cravos. O processo de descolonização deveria, parafraseando o meu professor, ter sido assegurado de forma mais tranquila, pacífica, cuidada e organizada, de modo a permitir aos portugueses que viviam nas colónias africanas, uma reorganização das suas vidas para que pudessem retornar a Portugal sem quebrar os laços familiares, como aconteceu com o meu professor. Se tivessem sido negociadas, as referidas condições de segurança e se tivesse sido estabelecido um acordo de cooperação e pacificação entre o governo de Portugal e as ex-colónias africanas, durante o período de transição para a independência, provavelmente muitos portugueses teriam optado por ficar a viver nas colónias. Se isto tivesse acontecido, teria sido bom para todos, pois Portugal, não teria sido obrigado a receber, em enxurrada, as largas centenas de milhar de retornados. Se tal tivesse acontecido, o professor Orlando não teria sido forçado a vivenciar cenários de guerrilha e não teria passado pela privação do convívio com o seu pai, entre os 9 e os 12 anos de idade, altura do desenvolvimento de uma criança em que a figura do pai é muito importante. O pai do professor Orlando Fonseca, manteve-se em Moçambique com o intuito de tentar trazer para Portugal alguns dos poucos bens que possuía e para cumprir os anos de trabalho nos caminhos-de-ferro Moçambicanos que lhe faltavam para poder ter direito a uma pequena reforma.

- o Historiador Fernando Rosas esteve preso por duas vezes, no período do Estado Novo e, uma vez, no pós Revolução, em 1975. A experiência de prisão política, após o 25 de Abril de 1974, marcou profundamente a sua visão quanto à política e aos processos revolucionários o que o levou a afirmar: "as revoluções têm de ser institucionalizadas."

E concluo, este meu texto, referindo que Portugal foi uma espécie de "laboratório" de como evitar ou combater processos revolucionários noutros países. De facto, o mundo manteve a sua atenção face à sucessão de acontecimentos surgidos em Portugal após o golpe militar de 1974. Assim, o processo revolucionário português não foi vivido intensamente apenas no meu país. Com efeito, desde a manhã do dia 25 de Abril que jornalistas de várias partes do mundo se deslocaram a Portugal com a intenção de documentar os acontecimentos. Muitos foram aqueles que permaneceram no meu país, durante um largo período de tempo, deixando-se, desta forma envolver pela aventura revolucionária. Por isso, o registo destes dias é o de transformações lentas, do quotidiano que se ia modificando. As notícias do processo de transição da ditadura para a democracia em Portugal iam chegando à imprensa internacional que defensora dos interesses capitalistas dava voz a uma campanha que se opunha à revolução portuguesa.

A realização deste trabalho permitiu-me perceber que no caso português o processo de transição política da ditadura para a democracia conduziu à eliminação dos privilégios monopolistas do setor capitalista português e à adoção de várias medidas socializantes, tais como: a apropriação pelo Estado dos setores chave da economia nacional (a banca, seguros, transportes, comunicações, celuloses e siderurgia foram nacionalizados); a intervenção do Estado na administração de pequenas e médias empresas, muitas delas focos de violenta agitação laboral, sendo acusadas de dificultarem o desenvolvimento económico de Portugal. Os antigos administradores, muito deles proprietários, foram afastados e substituídos por comissões administrativas que o Governo nomeava. Este foi um período de saneamentos e de fuga de importantes quadros para o Brasil; a reforma agrária que conduziu à expropriação institucional das grandes herdades, sendo a organização da sua exploração entregue a Unidades Coletivas de Produção; as grandes campanhas de dinamização cultural e cívica promovidas pelo MFA com o intuito de se explicar às populações que residiam no interior rural o significado da revolução, o valor da democracia, a importância do voto e os direitos dos trabalhadores e, por fim, as grandes conquistas dos trabalhadores, que viram a sua situação social e económica melhorar devido à conquista do direito à greve, à liberdade sindical, à instituição do salário mínimo, ao controlo dos preços dos bens de primeira necessidade, à redução do horário semanal de trabalho, à melhoria das pensões e das reformas... Aprendi ainda, com a elaboração deste trabalho, que o 25 de Novembro de 1975 é uma data importante neste processo de transição política pois marcou o fim da fase extremista do processo revolucionário. A revolução, a partir desta data, regressou aos princípios democráticos e pluralistas do 25 de Abril de 1974, que vieram a ser confirmados com a promulgação da Constituição de 1976.

Passados 45 anos da Revolução dos Cravos e estando as pessoas que vivenciaram este golpe militar a desaparecer é importante preservar a memória deste período tão importante da História de Portugal ouvindo e registando as memórias dos que ainda se encontram vivos.

No dia 25 de Abril começou a nascer uma democracia... No período que se lhe seguiu, os portugueses lutaram pelos seus direitos, manifestaram-se nas ruas, organizaram-se, passaram à legalidade os partidos clandestinos, exerceram o direito de falar, de escrever e de votar, de forma livre... A democracia nasceu com partidos e participação cívica... Não foi um nascimento fácil, nem o poderia ser, devido à longa duração do regime autoritário do Estado Novo e a uma guerra colonial, longa e ativa em três frentes distintas, em África.

A Revolução de Abril, tal como referido por Eduardo Lourenço, foi a "Revolução possível e lúcida" que abriu as portas à democracia.



Ana Matilde Reis, 15 de agosto de 2019