Orlando Rodrigues Fonseca

Orlando Rodrigues Fonseca nasceu no ano de 1965, em Nampula. Tem 53 anos. É professor de Geografia na Escola EB.2,3 Cardoso Lopes (Amadora).




1. Quando partiu para Moçambique? Que memórias tem deste tempo?
R: Bem, na verdade eu não parti para Moçambique, nasci lá, em Nampula, a cidade capital de uma província com o mesmo nome, conhecida como a capital do Norte do país. Está localizada no interior da província, a cerca de 2150 quilómetros a norte da cidade de Lourenço Marques, atual Maputo, que é a capital do país.
Foi no Hospital do Marrere, corria o décimo primeiro dia do mês de São Martinho do longínquo ano de 1965, que a minha mãe ouviu o meu primeiro berrar.
Assim sendo, não tenho memória alguma de tempos vividos em Portugal nessa altura. Tão pouco tenho ideia de como era viver na cidade onde nasci, porque, com cerca de 30 dias de vida, rumei, juntamente com os meus pais, para a então capital do país, Lourenço Marques, e por lá me fiz criança e vivi até aos 9 anos de idade. Sinto-me, por isso, muito mais Laurentino do que Nampulense.
Os meus pais nunca foram abastados. A minha mãe, nascida em Olhão, nunca andou na escola. Sempre foi dona de casa, primeiro, ainda criança, responsável pelos 3 irmãos mais novos e, mais tarde, já em África, como mãe de 3 filhos. Aprendeu a ler e a escrever sozinha, especialmente porque gostava de se corresponder com familiares que se tinham distantes. Os meus avós maternos, os meus tios e a minha mãe, por força das dificuldades que sentiam para sobreviver em Portugal com um mínimo de dignidade, emigraram para Moçambique. A viagem teve de ser feita de barco, porque andar de avião nessa altura era uma extravagância ao alcance de muito poucos. Cumpriram os mais de 20 dias da viagem de barco necessários para lá chegar, para fugir à pobreza, à fome e à inexistência de uma liberdade verdadeira.
O meu pai, tal como eu, também já nasceu em Moçambique. Estudou até à antiga 4.ª classe (atual 4.º ano), mas teve que interromper os estudos para poder ir trabalhar, porque o meu avô paterno, que nunca conheci, que também já tinha nascido em Moçambique e tinha pais brasileiros da região do Recife, morreu nessa altura. Então, o meu pai, como o mais velho de 5 irmãos na altura, foi obrigado a ter de provir o sustento da família. A minha avó paterna, que também já tinha nascido em Moçambique, apenas os pais dela eram Alfacinhas - Lisboetas, viveu até aos 99 anos, teve outros maridos e companheiros e um total de 8 filhos.
Apesar de tudo, como não nasci em Portugal, tive uma infância, algo austera, mas muito feliz. Sem televisão, com muita telefonia e gira-discos, e especialmente, com muita leitura de banda desenhada. O meu imaginário foi alimentado por heróis como o Fantasma, o Mandrake, o Caribou, o Roy Rogers, mas também colorido com o Lucky Luke, o Asterix, o Tio Patinhas, o Zé Carioca, o Pato Donald, a turma da Mónica, entre outros.
Mas o pináculo da minha infância feliz em Lourenço Marques, foi a rua, a liberdade de poder brincar na rua, de correr, de saltar, de subir às árvores, de fazer corridas de carros de rolamento, de carros miniatura, de fazer os meus próprios flippers com cartão, madeira, molas e elásticos, de fazer os meus próprios papagaios com papel, caniços e cola de farinha, de jogar às escondidas, à apanhada, aos polícias e ladrões e, claro, de jogar muito futebol de campo baldio, pelado, irregular, com buracos e com balizas de pedras feitas.


2. Quais são as suas recordações mais marcantes sobre o regime do Estado Novo?

R: Felizmente, como não nasci em Portugal e só vim para o país no início do ano de 1975, não experimentei na pele nenhum dos efeitos dos mui longos e penoso 41 anos de vigência do Estado Novo no nosso país. As recordações que tenho são aquelas que li, que aprendi na escola e, especialmente, aquelas que ouvi da boca dos meus familiares que o sentiram na pele por experiência de vida, e que por força disso, foram obrigados, tal como muitos milhares de outros, a fazer aumentar a emigração forçada e a abandonar o país, fugindo da miséria e do jugo de Salazar.
Fazendo das recordações de alguns dos meus familiares as minhas, posso afirmar que durante o Regime do Estado Novo em Portugal, a sociedade de então, era iletrada, culturalmente vazia, mantida num torpor e numa ignorância que convinham à perpetuação do poder nas mãos do ditador.
As pessoas tinham a barriga e os bolsos vazios, trabalhavam muito, especialmente no campo e na pesca, e ganhavam muito pouco, mas e principalmente, viviam aterradas pelo medo, pelo pavor de ser perseguidas apenas por, terem ideias, opiniões e pensamentos diferentes dos de quem governava e ousarem, simplesmente, pronunciá-los publicamente.
Um simples ajuntamento de 3 ou 4 amigos na rua, mesmo sem se saber sequer sobre o assunto de que falavam, era motivo suficiente para ser desmobilizado pela polícia.
A lei da "rolha" e da "mordaça" e uma total ausência de liberdade de expressão imperavam, sendo apenas disfarçadas com as bandeiras Salazaristas dos famigerados 3 "efes". Constrói uma Família sólida e obediente, sê católico praticante e tem o milagre das aparições de Fátima como dogma religioso, e vai com a tua família ao Futebol, especialmente com o Benfica, o clube do regime e com mais adeptos, a dominar o espectro competitivo e a alegrar as hostes.
Para acabar de pintar o cenário social completo, faltou apenas referir que se vivia numa sociedade eminentemente machista, de cariz intrinsecamente marialva. Ao homem, o chefe de família, tudo era permitido, desde bater na mulher e nos filhos, a ter amantes e, quando nem Fátima, nem o Futebol lhe fossem capazes de disfarçar as tristezas, as amarguras e a ausência de liberdade, podia evadir-se do vazio da vida, afogando-se nas tabernas nas tascas e nos cafés, consumindo excessiva e aditivamente vinho e aguardente. O Rui Veloso e o Carlos T, compuseram um tema, de entre os inúmeros sucessos com que presentearam a música portuguesa, intitulado "Um café e um bagaço", que ilustra melhor do que qualquer outra forma, esta necessidade compulsiva que o homem frustrado de então tinha em visitar com frequência os balcões dos bares, das tabernas e dos cafés.

Clique no link para ouvir o tema "Um café e um bagaço"


3. Onde se encontrava no dia 25 de abril de 1974?

R: Na altura, tinha apenas 8 anos de idade, e não me consigo recordar com a clareza que pretendia dos acontecimentos que fizeram desse dia, um dos mais desejados e inesquecíveis da história de Portugal. À data eu e a minha família vivíamos no 6.º andar de um prédio situado na Avenida Pinheiro Chagas, uma das mais compridas e afamadas de Lourenço Marques.
Ao que me contou o meu pai, esse dia, foi uma quinta-feira normal de trabalho, sem que as pessoas falassem muito dessa revolução ansiada. Foram a rádio e os jornais a pôr as pessoas informadas sobre os acontecimentos e, por isso, só no dia 25 e durante o fim-de-semana seguinte é que se pôde constatar com mais visibilidade e veemência as reações de júbilo das pessoas nas ruas da cidade.


4. Que impacto teve esta revolução na sua vida familiar?

R: O fim da ditadura e a queda do Regime de Salazar aceleraram o fim da guerra colonial, com um resultado negativo para Portugal, como era esperado.
Moçambique era um dos palcos dessa guerra e o fim do Antigo Regime propiciou o avanço das tropas da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique) e do seu líder Samora Machel. Esse avanço, deu força e estímulo aos nativos de moçambique no sentido de unirem esforços e de se mobilizarem para lutar pelo seu país, para expulsar o agente opressor e colonizador e apoderar-se das suas riquezas.
Essa força popular foi crescendo nos meses que se sucederam à revolução de abril, a ponto de a partir do final do ano de 1974 se começarem a organizar espontaneamente grupos de indivíduos autóctones de Moçambique, armados com paus, pedras e catanas, para se rebelarem, dando origem a uma espécie de motins, invadindo e pilhando mercearias, cafés e casas particulares de portugueses. Na ânsia de defender as suas vidas e pertences, alguns desses lusos empunharam pistolas e caçadeiras e dispararam contra os invasores em rebelião.
Essas escaramuças agressivas e violentas desses nativos, provocaram na população branca um sentimento de medo, ao verem a sua vida e a sua integridade física ameaçadas, levando-as a refugiar-se dentro das casas, em divisões interiores, sem janelas.
Nessa altura a minha família morava no 1.º andar de um prédio, na Rua de Lindemburgo, num dos extremos da cidade, onde se começou a sentir esse tipo de violência civil. Lembro-me, de, num desses episódios, ter sido obrigado pela minha mãe a esconder-me numa dispensa de uma divisão interior da nossa casa. Antes de ser escondido, recordo-me de ver da janela de um dos quartos, um grupo rebelde a partir as montras com pedras e a entrar numa mercearia que existia do outro lado da rua, para vandalizar e pilhar o dono que era branco. Lembro-me de começar a ouvir sons de tiros e de ver dezenas de indígenas a correr, fugindo aos gritos da mercearia em todas as direções. Alguns desses correram em direção ao quintal do nosso prédio, que tinha apenas um pequeno murete a circundá-lo, e foi facilmente transposto por muitos deles. Nessa altura a minha mãe agarrou-me pelo braço e arrastou-me rapidamente para a tal dispensa da divisão interna da casa, onde estaríamos a salvo de alguma bala perdida. Aí permanecemos durante cerca de mais de 20 minutos, enquanto se conseguiam ouvir gritos e sons de tiros. Quando o silêncio retornou e permaneceu por um período de tempo que a minha mãe entendeu ser já seguro para abandonarmos esse esconderijo, ela deixou-me na dispensa, com a porta fechada, e foi pé ante pé e em silêncio, confirmar se já era seguro circular pelo resto das divisões da casa. Quando finalmente saí do esconderijo e fui, ainda receoso, espreitar pela janela, deparei-me com os destroços e os despojos do confronto que tinha ocorrido. Vidros partidos, portas arrombadas, carros vandalizados, paus e pedras espalhadas pela rua, alguns contentores de lixo a arder, e, o que mais me impressionou, o corpo de um rapaz negro caído mesmo por baixo de mim no meu quintal. Tinha sido baleado na cabeça e jazia morto, deitado de bruços e com uma poça de sangue em redor da sua cabeça.
Este episódio marcou indelevelmente a minha vida, porque durante muitos anos sofri de problemas psicológicos e neurológicos, fiquei com bastantes tiques de origem nervosa e fui obrigado a fazer um tratamento médico prolongado, mesmo até ao final da minha adolescência, já cá em Portugal.
A partir desse dia, sempre que existiam indícios de novos episódios semelhantes, eu e os meus pais já não ficávamos nesse apartamento e íamos pernoitar numa república de portugueses que existia num 7.º andar de um prédio situado num local mais seguro da cidade.
Como comecei por dizer, a guerra acabou por ser perdida por Portugal e Samora Machel, líder da FRELIMO, subiu ao poder, tornando-se o primeiro Presidente da República de Moçambique, que se tornou independente no dia 25 de junho de 1975.
Antes disso, já eu e a minha mãe tínhamos viajado para Portugal, no dia 18 de março de 1975, um dia antes do dia do Pai e, curiosamente, dia de aniversário do meu pai. Esta decisão apressada, foi consequência da ameaça feita por parte do futuro presidente do país, de pretender nacionalizar todas as crianças nascidas em Moçambique. Com receio de que se fechassem as fronteiras e de que eu fosse impedido de sair do país e conscientes de que em Portugal o caminho para a liberdade e a democracia se ia consolidando, a decisão foi fácil e teve de ser concretizada de imediato. Por isso, o meu pai não viajou logo connosco, para tentar trazer para Portugal alguns dos poucos bens que possuíamos e para cumprir os anos de trabalho nos caminhos-de-ferro Moçambicanos que lhe faltavam para poder ter direito a uma pequena reforma. O tempo necessário para conseguir ter direito a essa reforma e para conseguir tratar das burocracias e encargos necessários para fazer embarcar num navio um contentor cheio de tarecos e bugigangas, afastou-nos durante cerca de quase 3 anos.
Durante esse tempo, eu e a minha mãe, fomos ajudados pelo IARN (Instituto de apoio ao retorno de nacionais), e vivemos em quartos de pensões, até uma das minhas irmãs mais velhas reunir condições para nos acolher em sua casa, em Tomar. Só voltei a viver com o meu pai e a minha mãe numa casa nossa, quando nos mudámos para a aldeia de Candeeiros, junto à Benedita, porque a família do meu pai, também retornada de Moçambique, aí abriu um restaurante e deram emprego ao meu pai.
Em suma, a minha infância foi profundamente afetada, direta e indiretamente pela revolução de abril, principalmente por aquilo que fez desencadear, primeiro em Moçambique, e depois em Portugal. Sem o 25 de abril não teriam sido construídas as condições de liberdade e democracia em Portugal, que permitiram o retorno da diáspora que residia nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), à medida que estes foram gradualmente conquistando a sua independência.
Contudo, o processo de descolonização desses países, deveria ter sido assegurado de forma mais tranquila, pacífica, cuidada e organizada, de modo a permitir aos portugueses que neles viviam, uma reorganização das suas vidas de forma a poderem retornar a Portugal sem quebrar os laços familiares, como aconteceu no nosso caso, e, drástica e abruptamente, os elos de ligação com o país onde viveram, onde alguns deles até nasceram, e trabalharam quase toda a sua vida. Se tivessem sido negociadas as referidas condições de segurança e estabelecido um acordo de cooperação e pacificação entre os governos, neste caso de Portugal e Moçambique, durante o período de transição para a independência, provavelmente muitos desses portugueses, até teriam preferido por lá permanecer a viver. Se isso tivesse acontecido, teria sido bom para todos: para Portugal, que não tinha sido obrigado a receber repentinamente, em enxurrada, as larga centenas de milhar de retornados. Os custos dessa ponte aérea foram elevadíssimos, incalculáveis, e ainda hoje existirão pessoas frustradas pela vergonha e pelas privações a que foram obrigados; para os PALOP, que poderiam ter ficado com a força de trabalho e o Know-how dos portugueses que lá viviam e que teriam sido, sem dúvida, uma mais-valia para que pudessem construir a sua independência e conduzido a governação e a sociedade em direção à liberdade e à democracia, que, por força de terem ficado sozinhos, abandonados ao seu destino, alguns deles ainda hoje buscam esses valores. Por outro lado, se isso tivesse acontecido, eu, criança, não teria sido forçado a experimentar cenários de guerrilha, não teria tido os problemas neurológicos que enfrentei e não teria passado pela privação do meu pai entre os 9 e os 12 anos de vida, altura do desenvolvimento de uma criança em que a figura do pai é muito importante.


5.Como avalia o período que se seguiu à Revolução dos Cravos (transição da ditadura para a democracia: quais são as suas memórias sobre este período, foi um período que marcou a sua família - justificação)?

R: O designado PREC (período revolucionário em curso) decorreu desde o dia 25 de abril de 1974 até ao dia 25 de novembro de 1975. Constituiu uma época caracterizada por um movimento revolucionário fortemente impulsionado por partidos e organizações de esquerda e de extrema-esquerda e de muita contestação e agitação sociais.
Como referi atrás, eu e a minha mãe desembarcámos no Aeroporto da Portela, no dia 19 de março de 1975, depois de uma viagem com escala em Luanda para abastecimento do Boing 747, o Jumbo, da TAP. Tinha 10 anos de idade na altura e não senti nenhum tipo da agitação acima referida. Nem em Lisboa, nem em Alhandra, onde estivemos durante uns dias, em casa da irmã da minha mãe, onde, para além de ter visto pela primeira vez uma televisão, brinquei com uma prima minha no jardim junto ao Rio Tejo, nem depois em Tomar para onde fomos viver primeiro numa pousada e depois numa pensão, colocados pelo IARN.
Em Tomar, retomei a frequência da escola primária e fiz os meus primeiros amigos em Portugal. Lembro-me de andar sozinho e sentir-me sempre em segurança nas ruas da cidade, quer quando ia e vinha da escola, quer quando brincava nos jardins da cidade. As únicas imagens que tenho das incidências e agitações do PREC foram mesmo as transmitidas pelos telejornais que à noite faziam os adultos comentarem coisas que a mim, na altura, não me impressionaram de todo e apagaram-se-me da memória. Da televisão da altura lembro-me muito melhor dos desenhos animados do Popeye, do Bucha e Estica e do Viking que passavam na televisão ao final da tarde!


6. Que avaliação faz da democracia na atualidade?

R: A Democracia, do Grego "Demokratia", em que "demos" significa povo e kratos significa poder", corresponde ao sistema político de governação, no qual o poder está nas mãos do povo. Esta Democracia, foi a maior das conquistas da humanidade, só rivalizada com a abolição da escravatura ou da pena de morte, em alguns países, e com a generalização do voto secreto universal a todas as classes, géneros e credos.
É, na sua essência e pureza, indiscutivelmente, o melhor de todos os sistemas políticos jamais criados pelo homem. Especialmente a democracia parlamentar, que temos implantada em Portugal, em que, através do voto secreto e universal determinamos a composição do parlamento, com representatividade de vários partidos legalmente constituídos, que é o principal órgão de tomadas de decisão politica e governativa do país.
O problema é que o homem, com a sua ausência de escrúpulos, a sua ganância e a sua verticalidade ética há muito retorcida, tem transformado aquilo a que tantos deram a vida para conquistar, numa complexa sociedade de um capitalismo exacerbado, promíscua, corrupta, vil e nepotista.
A sociedade em que vivemos, em que o ter é melhor do que o ser, na qual não se olha a meios para atingir os fins e na qual os objetivos que se prosseguem de modo obsessivo são essencialmente materialistas, consumistas, económicos e financeiros, deram lugar a grandes clivagens sociais e desigualdades económicas. O capital acumulou-se em demasia na posse de uma classe minoritária muito rica, que vive na opulência e ostentação e manipula quem está no poder, em favor dos seus interesses e benefícios. Por outro lado, a grande maioria da população pertence a uma classe social baixa ou média muito baixa, trabalha bastante e é remunerada com o salário mínimo mensal, ou pouco acima disso. Esta maioria vive com dificuldades e cada vez mais revoltada com a sua condição socioeconómica e com a tomada de conhecimento, que os media promovem, da catadupa e profusão de casos e pseudocasos de corrupção, de peculato, de lavagem de dinheiro, de aproveitamentos pessoais de cargos e dinheiros públicos, de favores e vantagens que se concedem a amigos e familiares.
Assim sendo, penso que a democracia que vivemos atualmente está adoentada, contaminada, inquinada e contraria o conceito implícito na sua génese, de que é cada cidadão, o chamado povo, que escolhe quem vai governar através do voto secreto e universal, e que os eleitos se comprometem, sob juramento solene pela Constituição da República, a defender o povo e os melhores interesses do país. O descrédito dos políticos e da política que se vive atualmente, resulta da ideia generalizada de que estes se servem da política e do país para defender os seus interesses pessoais. Como diz o povo, "eles vão para o poleiro para se governarem a eles próprios!".
Uma das evidências deste estado doentio da democracia parlamentar é a abstenção gigantesca que se tem verificado nos últimos atos eleitorais que aconteceram no nosso país. Se eu fosse político, cada vez que alguém decidisse não usar do seu direito de voto, para decidir sobre os destinos governativos do país, ficaria imensamente vexado e envergonhado. Ao que parece, os nossos políticos não sentem do mesmo modo que eu me sentiria e vão assobiando indiferentemente para o lado. Acho que continuarão a proceder desta forma até ao dia em que o edifício da justiça funcione na sua plenitude e comece a condenar, com o peso e as medidas ajustadas, estes comportamentos que lesam os princípios da democracia. Antes de isso acontecer, acredito que vamos continuar a ter mais do mesmo!


Entrevista realizada por: Ana Matilde Reis
Coordenação/Tutoria: Professora Ana Sofia Pinto